TEMPO EM ANGRA

Começo de uma epoca

Manuel de Oliveira

Nascimento da ASP/PSP e a primeira defensora dos direitos dos Polícias

Numa tarde de Fevereiro de 1982, cinco polícias à paisana reuniram-se discretamente, num prédio desabitado, em Lisboa. Quando o grupo deixou o edifício, assumia-se já como a Comissão Pró-Associação Sindical da PSP (ASP/PSP), disposta a evocar a si a coordenação da luta pela defesa dos interesses e direitos dos polícias portugueses. Este grupo era constituído pelos guardas António Maurício e José Esteves, pelos subchefes Lapa da Silva e José Carvalho e pelo comissário Joaquim Santinhos. A ofensiva dos "sindicalistas" incidiu no plano da informação e do esclarecimento sobre legislação portuguesa e internacional consagrando direitos humanos e constitucionais, assim como toda uma série de textos legislativos, convenções e declarações (nacionais e estrangeiras) reconhecendo direitos socioprofissionais e associativos dos agentes de Polícia. A ASP/PSP distribuiu "dossiers" informativos em "Lisboa, Porto e outros Comandos", fazendo-os acompanhar de uma nota explicativa na qual se realçava "a importância de se criar uma associação profissional, democrática e independente, com vista a satisfazer os interesses de toda uma classe que, ao longo de décadas, tinha sido esquecida e marginalizada", na participação da resolução dos problemas que afectavam a Polícia. A Comissão Pró-Associação Sindical da PSP sintetizava a sua génese em 28 palavras: "(...) o resultado da necessidade de se organizar para, assim e em melhores condições, poder corresponder aos legítimos anseios de todos nós, consubstanciados na criação do SINDICATO DA PSP". O movimento sindical - que visava essencialmente o associativismo representativo – mantinha, ao mesmo tempo, uma aturada afirmação reivindicativa a níveis de dignificação profissional e de melhoria de condições de vida e de trabalho para os homens e para as mulheres que serviam a instituição policial. Nesta época, os profissionais da PSP reivindicavam fundamentalmente: um código ético profissional; uma Escola Superior de Polícia de pendor civilista; melhor formação policial generalizada; policiamento de giro e de proximidade – Esquadras; meios de combate à criminalidade; melhores condições de trabalho, higiene e segurança; reestruturação das instalações policiais; condições de segurança física no trabalho; supressão da discriminação da mulher-polícia na progressão na carreira; desbloqueamento de carreiras profissionais; folgas semanais para os "patrulheiros" e "rondantes"; folgas de 48 horas para os polícias com horários de trabalho de 24 horas consecutivas (caso dos piquetes); salários compatíveis com a responsabilidade, dureza e perigosidade da função policial; compatibilização dos "serviços remunerados"; cobertura social a 100% das pensões das viúvas dos polícias vitimados em exercício de funções.
Em 26 de Junho de 1982, ficou memorável o almoço realizado na Casa de Trás-os-Montes, em Lisboa, que teve a participação de cerca de 200 profissionais da PSP (guardas, subchefes, chefes e comissários, de Beja, Entroncamento, Évora, Lisboa, Porto e Setúbal). Dois meses depois, uma confraternização de "sindicalistas" da Polícia, reuniu 80 participantes no Restaurante Monte Carlo, no Porto, incluindo um comissário e um subchefe da área do Comando Distrital de Lisboa da PSP. Os organizadores faziam constar que o movimento sindical tinha já uma adesão de 95% da classe policial (desde agentes a comissários) e que lhes tinham chegado manifestações de apoio de sindicatos policiais da Bélgica, França e Grã-Bretanha.
Em Setembro de 1982, um despacho do comandante-geral da PSP, distribuído a todos os comandos de Polícia e levado ao conhecimento do Ministério da Administração Interna, fazia referência àqueles dois almoços e chamava a atenção para que convívios daqueles, com "reflexos nitidamente destabilizadores no seio da Corporação", ficariam "sujeitos a processo de averiguações ou disciplinar, nos termos do Regulamento Disciplinar da PSP". Os "sindicalistas" da Polícia consideraram publicamente "ilegítima" a ameaça do comandante-geral e reafirmaram o direito de constituírem um "órgão democrático" no seio da Polícia.
Em 23 de Fevereiro de 1983, durante um almoço na Casa do Alentejo, participado por cerca de 400 profissionais da PSP de todo o país, a ASP/PSP apresentou o anteprojecto de estatutos da estrutura sindical em embrião. Participaram nesse almoço representantes da Direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), da ASFIC/PJ, do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, do grupo promotor do Sindicato dos Funcionários Civis das Forças Armadas, da Comissão Pró-sindical da Polícia Marítima, além de alguns inspectores e agentes da Polícia Judiciária. Nessa altura, os "sindicalistas" anunciaram ainda que avançariam com a elaboração de um Código Deontológico para a Polícia (abrangendo preceitos constitucionais, de Direito e éticos) e reafirmaram empenhamento na criação efectiva de uma Escola Superior de Polícia. Na melhor tradição militar, o comandante-geral da PSP puniu disciplinarmente com a transferência de dois anos  para o Comando de Bragança o comissário Joaquim Santinhos. O SMMP denunciou e repudiou publicamente a actuação do Comando da Polícia e reafirmou à ASP/PSP todo o apoio, nomeadamente a nível jurídico.
Em meados de Março de 1983, a Imprensa divulgava que já tinha sido constituída "a delegação da Zona Norte da ASP/PSP", no Porto, abrangendo os distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real. Os "sindicalistas" da PSP anunciava também, para breve, a entrada em funcionamento da delegação da Zona Sul (com sede em Lisboa, abrangendo Santarém, os distritos a sul do Tejo e as regiões autónomas) e da delegação da Zona Centro, com sede em Coimbra.
Em Junho de 1983, em Matosinhos, num almoço-convívio que reuniu duas centenas de profissionais da PSP, a ASP/PSP apontou a necessidade da aprovação, em Assembleia Geral Constituinte, do projecto de Estatutos da Associação Profissional/Sindical da PSP, com base num anteprojecto que havia sido posto à discussão desde Fevereiro desse ano. Do ponto de vista jurídico, não havia sustentáculo, em Portugal, para se impedir a livre criação de sindicato na PSP. As regras internacionais, ratificadas pelo Estado português e que tinham passado a integrar a nossa ordem jurídica interna, eram claras: a Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelecia, sem restrições, que "toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para a defesa dos seus interesses". As convenções da Organização Internacional do Trabalho garantiam a liberdade sindical aos agentes militarizados. Os pactos internacionais sobre direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais reconheciam igualmente os direitos sindicais. Além disso, a Constituição da República Portuguesa (CRP) não proibia a existência de sindicato na PSP. Remontam também a este mês os primeiros contactos que a ASP/PSP estabeleceu a nível internacional – com a UISP – e que os "sindicalistas" da PSP divulgaram internamente sem grande clamor.
Em 24 de Outubro de 1983, a Comissão Pró-Associação Sindical da PSP convocou a Assembleia Constituinte, abrangendo "todos os membros da PSP – comissários, chefes, subchefes, agentes, funcionários administrativos, contratados do activo ou aposentados", a fim de (1) deliberarem, por voto directo e secreto, sobre a constituição da Associação Sindical; (2) aprovarem os Estatutos e Regulamentos da Associação Sindical e (3) elegerem a Comissão Directiva provisória. A convocatória enumerava as localidades onde o escrutínio ia decorrer. A modesta sede do movimento pró-sindical da PSP, na Calçada do Combro, em Lisboa, que tinha entretanto sido inaugurada nesse mês de Outubro, figurava à cabeça da lista dos 29 locais para onde tinha sido anunciada a instalação de urnas de voto.
Entre 8 e 26 de Novembro de 1983, foi realizada a Assembleia Geral Constituinte, na Zona Sul e Ilhas, na Zona Norte e na Zona Centro, concretamente em Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal, Funchal, Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada); Zona Norte (Porto, Viana do Castelo e Vila Real); Zona Centro (Guarda, Leiria e Viseu). Por via hierárquica, a Comissão Promotora da Associação Profissional/Sindical da PSP tinha requerido ao ministro da tutela autorização para colocar as urnas de voto nas instalações policiais. O comandante-geral da PSP, brigadeiro Almeida Bruno, em lugar de fazer seguir a documentação para o ministro, entendeu devolvê-la aos "sindicalistas", com o seguinte despacho: "Não reconheço tal Comissão, em termos legais. Devolva-se". Em documento público, os "sindicalistas" da PSP comentaram a decisão de Almeida Bruno nos seguintes termos: "Nós não pedimos a Sua Ex.ª que reconhecesse as nossa Comissão porque ela, de harmonia com a Constituição e outras leis ordinárias, já tem existência legal e já é reconhecida publicamente". O funcionamento de assembleias de voto acabou por ser proibido pelos governos civis de Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Lisboa, Matosinhos, Portalegre, Porto, Setúbal, Viana do Castelo, Viseu e pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, incorrendo em alguns casos (Amadora, Barreiro e Lisboa) no crime de abuso de autoridade sob a capa de defesa da legalidade democrática. Os elementos participantes nas mesas de assembleia de voto foram abusivamente conduzidos às esquadras, apesar de estarem na altura perfeitamente e documentalmente identificados. A partir desse momento, passaram também a ser sistematicamente chamados aos gabinetes da hierarquia, para revelarem os nomes dos votantes. Ainda neste quadro, o comandante-geral da PSP puniu o comissário Joaquim Santinhos com transferência disciplinar, de Lisboa para Bragança, por ter participado num almoço-convívio, em Lisboa, em Fevereiro de 1983. Hoje, temos consciência da inutilidade dessa apreensão das urnas em face da determinação dos "sindicalistas". Quanto ao sancionamento desses actos pelos diversos agentes políticos que intervieram nesse quadro, ele era bem indicador de fraqueza e de menoridade da vida democrática. A apreensão das urnas e a actuação da Polícia geraram a reacção de organizações sindicais e de formações partidárias, que repudiaram esses actos ilegais e violadores do direito de associação e da liberdade de expressão constitucionais. Este tipo de reacção foi assumido pelas duas centrais sindicas, CGTP-IN e UGT, assim como por inúmeras organizações representativas de muitos sectores profissionais.
Em 8 de Novembro de 1983, a Associação Sindical da Polícia de Segurança Pública (ASP/PSP), que muitos desejavam e que alguns temiam, começou efectivamente a existir. O resultado da votação no Funchal (Ilha da Madeira) para a constituição da Associação Sindical da PSP – que tinha decorrido sem incidentes e com o conhecimento do Comando da PSP e do próprio presidente do Governo Regional – tornou-se suporte legal da formação da Associação Sindical da PSP, com a excelente votação de 60% dos efectivos.
Em Novembro de 1983, já os "sindicalistas" da PSP garantiram que abdicavam do direito à greve. Apesar disso, ao longo do tempo e até 2001, alguns responsáveis políticos, ou da Polícia, tentaram, repetidamente mas sem resultado, fazer valer esse argumento, para sustentarem teorias e teses contra o "Sindicato de Polícia" em Portugal: "A greve é uma autolimitação que nos impomos a nós próprios" - escreveu o Jornal de Notícias, citando o comissário Joaquim Santinhos: "O nosso entendimento da Polícia e do sindicalismo não se coadunam com a hipótese de um dia fazermos greve. Esse problema nunca esteve em causa. Em nenhum país da Europa, onde já existem sindicatos de Polícia há muitos anos, o direito à greve é exercido pelo pessoal policial". Posteriormente, em 28 de Fevereiro de 1986, durante um colóquio realizado no Porto, Joaquim Santinhos reafirmaria: "Podemos garantir que nós abdicamos do direito à greve".
Novembro de 1983 foi também o mês em que o jornal Diário de Lisboa divulgou matéria como força argumentativo-jurídica sobre a legitimidade e a legalidade de um sindicato da PSP. Por outro lado, o Diário de Notícias deu a conhecer aos portugueses uma manifestação de polícias espanhóis, que, no seu país, exigiam o diálogo directo com o ministro da tutela.
Em 30 de Dezembro de 1983, a ASP/PSP apresentou queixa à Organização Internacional do Trabalho (OIT), contra o Governo português, por violação da liberdade sindical no país. O documento, subdividido em 13 partes, foi dirigido ao director geral do Bureau International du Travail, em Genebra (Suiça). Por força desta denúncia, a OIT solicitou ao Governo, chefiado por Mário Soares, uma resposta (em termos de contestação) à queixa formulada pela ASP/PSP. A resposta à OIT do IX Governo Constitucional havia de vir a ser conhecida em Novembro de 1984. A OIT exprimia a expectativa de que, em Portugal, o processo de regulação do direito associativo-sindical conduzisse à "adopção de disposições determinando com exactidão o alcance dos direitos sindicais da categoria de trabalhadores em questão". Foi com total surpresa – por parecer inverosímil a argumentação avançada pelo Governo à OIT – que a ASP/PSP chegou à conclusão de que, até Setembro de 1982, não tinha havido razão para se proibir o sindicalismo policial.
Em Março e Junho de 1984, respectivamente, a UGT e a CGTP-IN manifestaram solidariedade e apoio à constituição de um Sindicato de Polícia e à luta desenvolvida pela ASP/PSP.
Em Abril de 1984, a ASP/PSP anunciou a intenção de editar um boletim informativo, com a designação de O Crachá Prateado. No entanto, a primeira edição do boletim – O Crachá – só veio a ocorrer em 20 de Abril de 1989.




Faleceu O Comissário Santinhos

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Sentimento de pesar pela morte do
Comissário Joaquim Santinhos


No sábado, dia 7 de Janeiro, faleceu o nosso colega e amigo Comissário da PSP na aposentação, Joaquim dos Santos Bandeiras Santinhos, aos 81 anos de idade.

Joaquim Santinhos era o sócio número 1 da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia – ASPP/PSP  e foi o primeiro Presidente da Associação pró-sindical da PSP (ASP/PSP), antecessora daAssociação Sindical dos Profissionais da Polícia – ASPP/PSP.

Joaquim Santinhos teve um papel importantíssimo na construção de um sindicalismo que sobressaiu na luta pelos direitos, liberdades e garantias dos Profissionais da PSP. Joaquim Santinhos foi, de facto, um ícone na Instituição, destacando-se pelas suas convicções na defesa dos Polícias, pela coragem em todo o seu percurso Profissional na PSP e pelos seus valores morais, bem vincados em todos os seus actos.
A intransigente defesa dos valores da Democracia dentro e fora da Instituição PSP valeu-lhe dissabores, tendo sido enviado para Bragança como retaliação pelas suas acções em defesa dos Profissionais da Polícia, do direito ao Sindicalismo e da própria Instituição PSP.
O desaparecimento do Comissário Joaquim Santinhos enche de tristeza todos os Profissionais da PSP, mas fica a memória de um exemplo a seguir, a todos os níveis.
O corpo de Joaquim Santinhos está na Igreja da Luz, em Lisboa, onde permanecerá até à saída para o cemitério do Alto de São João, amanhã (terça-feira), pelas 9h30.
ASPP/PSP envia à família e amigos do nosso sempre estimado colega, Joaquim Santinhos, os mais sentidos pêsames.


A Direcção Nacional da ASPP/PSP


Nos primeiros passos do sindicalismo na P.S.P.


                   Discurso do Comissário Santinhos